A carne bovina é hoje um dos principais
motores do desmatamento, diz análise de fundação alemã. Produção impacta meio
ambiente devido à demanda por soja para ração e consequente uso de agrotóxicos.
"Produção de
carne afasta pessoas de suas terras, provoca desmatamento, uso de pesticidas e
a perda de biodiversidade"
O crescente consumo de carne no mundo e as
ações do atual governo brasileiro são ingredientes de uma receita que está
levando à destruição florestal no Brasil. Esta é uma das conclusões do
relatório a Fleischatlas 2021.
"A carne bovina é hoje um dos
principais impulsionadores de desmatamento. Isso leva à destruição dos meios de
subsistência de comunidades indígenas e de pequenos proprietários. Na Amazônia,
o gado pasta em 63% de todas as áreas desmatadas. Entre 70% e 80% de todas as
importações de carne bovina da UE vêm dos países do Mercosul. E 50% dos
produtos agrícolas enviados à União Europeia (UE) vindos do Brasil são produto
do desmatamento, especialmente soja, carne bovina e café", diz o texto.
"A produção
industrial de carne não é apenas responsável pela precariedade das
condições de trabalho, mas também afasta as pessoas de suas terras, provoca o
desmatamento, o uso de pesticidas e a perda de biodiversidade – e é uma das
principais causas da crise climática", afirma Barbara Unmüssig, presidente
da Fundação Heinrich Böll,
Produzido pela Fundação Heinrich-Böll – ligado
ao Partido Verde alemão –, pela organização ambientalista Bund e pela edição
alemã do jornal francês Le Monde Diplomatique, o relatório
apresenta soluções com o objetivo de reduzir o consumo de carne, aumentar a
conscientização das pessoas para que desfrutem de produtos de maior qualidade e
também fazer com que elas valorizem mais os animais e os produtos que originam.
Destruição
florestal
A demanda global por carne está aumentando
devido ao crescimento populacional e econômico – um grande problema para o
clima e o meio ambiente. Em 1960, havia 3 bilhões de
pessoas na Terra e, de acordo com o relatório, o consumo de carne era de
cerca de 70 milhões de toneladas, o que é uma
média global de 23 quilos por pessoa por ano.
Em 2018, já havia mais do que o dobro de
pessoas na Terra: 7,6 bilhões. Com cerca de 350 milhões de toneladas, o consumo de carne era sete
vezes maior, e a média global era de 46 quilos por
pessoa por ano.
Um problema central é a imensa necessidade
de terras para a produção de carne. De acordo com dados do governo alemão, (71%) da terra arável global são usadas atualmente para
produção de ração animal, quatro vezes mais do que a parcela utilizada
diretamente para a produção de alimentos (18%) e
muito mais do que para outras matérias-primas, como algodão (7%) ou culturas energéticas, como milho para produção
de biogás ou cana-de-açúcar para fabricação de etanol (4%).
A pressão sobre as terras aráveis
disponíveis globalmente está crescendo com o aumento da demanda global por
carne, e assim enormes áreas de floresta estão sendo desmatadas, especialmente
para o cultivo de soja para produção de ração animal, como é o caso do Brasil.
"Hoje 90% da soja são destinados à alimentação
animal", diz Unmüssig.
Soja
como vilão
O relatório alerta que o aumento do
consumo mundial de carne faz com que a procura por ração dispare no mercado,
apontando a soja como o grande vilão.
"Os maiores produtores de soja são:
Brasil, com 133 milhões de toneladas anuais; os EUA, com 117 milhões; e a Argentina,
com 53 milhões de toneladas", destaca o texto. O Brasil também é o
maior exportador de soja, com 74 milhões de toneladas
anuais, de acordo com o texto, seguido pelos EUA.
Os especialistas pedem uma mudança para
uma dieta com menos carne e mais alimentos vegetais, o que requer muito menos
terras aráveis, com intuito de alimentar bem a população mundial, parar de derrubar florestas tropicais para produção de ração
animal e criação de gado e, ao mesmo tempo, ter áreas para reflorestamento
novamente.
Amazônia e
Cerrado sob ameaça
O relatório aponta que entre 2006 e 2017; 220 mil quilômetros quadrados de floresta foram
destruídos na Amazônia e nos Cerrados brasileiros,
o que corresponde a mais de 60% do tamanho da
Alemanha. Desse território, cerca de 10% foram
utilizados para plantação de soja.
O texto afirma também que o Cerrado vem
sendo desmatado de forma massiva devido à moratória da soja na
Amazônia, que "proíbe o comércio da soja que venha de área florestal
desmatada após 2008, mas só na Amazônia". "E a produção da soja foi
transferida para o Cerrado".
Provas de que
houve retrocessos em relação à proteção ambiental seriam os incêndios
florestais de 2019 e 2020, "que foram, sobretudo, resultado de queimadas –
entre outras, para plantações de soja". O texto afirma que imagens de
satélite mostram que muitas queimadas ocorreram na proximidade imediata de
fábricas de carne e armazéns de soja. "Isso é apoiado pela política do
presidente Jair Bolsonaro, que está continuamente relaxando as regras para proteção
ambiental", ressalta o texto.
De acordo com um estudo da prestigiada
revista Science publicado em 2020, 20%
das exportações de soja para a UE, é da
Amazônia e do Cerrado, são originadas de terras desmatadas ilegalmente. Assim,
o consumo de carne na Europa está diretamente relacionado ao desmatamento no
Brasil.
Novo cardápio
para o mundo
Cientistas de renome mundial como Johan
Rockström, Diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático (PIC) recomendam no Relatório de Vida Saudável
em um Planeta Saudável uma mudança na dieta para uma média de 16 quilos de carne e 33 quilos de laticínios por pessoa por
ano. A Índia e muitos países africanos mostram, com sua dieta
tradicional, que isso é possível. Na América do Norte e do Sul e na Europa, por
outro lado, atualmente são consumidas até sete vezes mais carne.
Os autores do relatório Fleischatlas
2021 não apenas mostram o poder e a força da indústria internacional
de carne e seus efeitos globais, mas também expõem suas conexões com a
indústria química global.
Por um lado, os grandes grupos produtores
de carnes e alimentos (a gigante da carne brasileira JBS é um destaque
citado) estão cada vez mais dominando o mercado de cultivo, transporte, abate e
comercialização de rações, colocando assim, em risco, a
existência de pecuaristas e matadouros de menor porte.
Milhares de
mortes por agrotóxico
Também é
demonstrado como, por outro lado, agrotóxicos altamente perigosos e às vezes
proibidos para a alimentação animal são exportados pelas grandes empresas
químicas e pulverizados em muitas regiões. Entre os produtores e exportadores
de tais produtos químicos estão Bayer Crop Science, Basf e Syngenta da Europa, assim
como Corteva e FMS, dos EUA.
A utilização de agrotóxicos gera milhares
de mortos, segundo Unmüssig. "O governo alemão deve fazer tudo para que os conglomerados alemães não mais exportem esses venenos
proibidos na UE", ressalta Olaf Bandt, presidente
da organização ambientalista Bund, alertando que esse tipo de comércio
deve aumentar com o acordo entre Mercosul e UE.
O Brasil está entre os maiores
consumidores mundiais de pesticidas, com quase 230 mil
toneladas anuais, atrás apenas dos EUA, com mais de 250 mil toneladas. Junto com Argentina (161 mil toneladas), os três países são responsáveis
por 70% do consumo mundial de herbicidas. Hoje,
são utilizadas nove vezes mais pesticidas no Brasil do que há 30 anos. Só o
plantio de soja é responsável, de acordo com o relatório, por cerca de 52% da venda total de pesticidas no país.
Antibióticos
Além disso, a adição permanente de
antibióticos na criação de animais para abate leva a germes, cada vez mais
resistente. Isso ameaça a eficácia dos antibióticos na medicina humana e,
portanto, põe em perigo vidas humana – incluindo
as de vegetarianos e veganos, aponta o
relatório.
O desmatamento de florestas para produção
de ração animal também é uma ameaça à saúde humana. Animais selvagens estão
perdendo seus habitats, o contato deles com humanos está
cada vez mais próximo o que favorece a transmissão de vírus e o surgimento de
novas pandemias.
DESMATAMENTO E FOGO NA AMAZÔNIA
Chamas em agosto de 2019.
Com 30.901 focos de queimadas registrados
por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado
no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a
45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde
para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Ernani Serra
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terra de cegos quem tem um olho é rei.
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